Ao começar a trabalhar com coleta de dados, seja para uma abordagem clínica ou acadêmica, percebe-se rapidamente a necessidade de escolher a metodologia adequada para avaliar o que se pretende: ninguém pensaria em avaliar ativação muscular com um teste de ergoespirometria! – mas em alguns casos, não é tão intuitivo escolher qual técnica/instrumento deve, ou não, ser utilizado. Ao considerar disfunções motoras, por exemplo, na marcha, podemos utilizar plataformas de força, eletromiografia, cinemetria, acelerômetros ou ainda a combinação de duas ou mais destas opções, dependendo da disfunção do paciente e da disponibilidade de equipamentos… Logo após a escolha do(s) instrumento(s), é iminente o questionamento se as informações que serão coletadas representam o “evento” (aqui usamos evento para referir qualquer tipo de situação a ser avaliada: um movimento apendicular, um gesto esportivo, uma atividade de vida diária, uma contração máxima, uma condução elétrica, etc., dos quais podem ser extraídos diferentes tipos de dados: ativação eletromiográfica, força, tensão, cinemetria, torque, dentre outros).
Imagine, em uma situação hipotética, onde se deseja avaliar a ativação eletromiográfica durante um movimento de flexo-extensão de ombro, o qual deve ocorrer em aproximadamente 5 segundos. Nesse caso, a aquisição de dados não pode ser encerrada em 4 segundos de coleta (pois ela não irá representar o evento, no caso, o movimento do ombro!). Vale lembrar que em análises eletromiográficas é comum serem coletadas um número maior de repetições, por exemplo, 10 – como no protocolo utilizado por Paz e colaboradores em 2014 – e não raro (assim como eles fizeram), se exclui a primeira e a última, para evitar interferência de efeitos inerciais. Além disso, sempre se recomenda ter alguns segundos de repouso antes e após o evento, em qualquer tipo de coleta (por exemplo, pode-se saber se o sistema está realmente começando do zero). Isso pode se comparar a subir em uma balança que, sem nada em cima, marca 2 Kg, você saberá que, se ela marcar 70 Kg, deve-se considerar 68 Kg. Em uma avaliação eletromiográfica, por exemplo, se faz a média de todos os pontos e essa média é subtraída de todo o sinal para que ele “parta do zero”, esse procedimento é, chamado de “remover off set” (falaremos mais em tratamento de dados em outra oportunidade!).
Outra informação essencial é saber qual a frequência de aquisição, ou taxa de amostragem a ser utilizada, ou seja, quantos dados por segundo (Hz) devem ser coletados para representar corretamente (ou o mais próximo possível da realidade) cada evento. Por exemplo, uma taxa de amostragem muito alta pode ser considerada “excesso de informações”, e pode dificultar muito o manejo posterior das informações adquiridas. Já para entender, didaticamente, o problema de uma frequência de aquisição muito baixa, analise a figura abaixo:
Considere que o evento esteja representado pela linha verde. Se a coleta de dados for de um dado por milissegundo (1000 Hz), representado pelos pontos azuis, teríamos como resultado da coleta a linha tracejada em azul. Se a coleta fosse realizada com uma frequência de um dado a cada dois milissegundos (500 Hz), como representado nos quadrados vermelhos, a representação seria conforme a linha tracejada vermelha. Repare que em nenhum desses dois exemplos o fenômeno está representado! – isso é conhecido como Erro de Aliasing, e para evitá-lo, a taxa de amostragem na coleta de dados deve ser no mínimo, o dobro da maior frequência do sinal.
Conhecer o evento é de extrema importância para realizar escolhas como o tempo de coleta e a taxa de amostragem. Por exemplo, ao se tratar de COP, a frequência de aquisição sugerida é dependente da tarefa a ser investigada. Scoppa (2012) propõe 50 Hz para alguns parâmetros (como deslocamento ântero-posterior) e 100 Hz para outros (como o sway). Já Duarte e Freitas (2010), em uma revisão sobre posturografia, levam em consideração o indicado segundo a frequência do evento, que é de aproximadamente 10 Hz, e os possíveis ruídos oriundos do sinal, sugerindo o uso de 100 Hz como padrão em avaliações de postura ereta quieta em indivíduos normais. O que demonstra que, além de compreender o evento, deve-se buscar conhecer as características do equipamento, que podem sugerir, como no caso citado, um uso de uma frequência 10 vezes, e não 2 vezes, maior que a frequência do evento. Nesse caso, ainda se trata de um vigésimo da capacidade de uma plataforma de força, ou seja, sabendo disso, e considerando que uma plataforma de força tenha uma taxa de amostragem de 1000 Hz, pode-se utilizar 100 Hz com segurança de que o evento será bem representado, e ainda assim ter 10 vezes menos dados do que se teria ao utilizar a frequência máxima disponível!
Qualquer tipo de coleta de dados necessita, além de equipamentos adequados, preparação prévia, estudo e conhecimentos acerca de como processar esses dados após ter feito seu registro. Para evitar problemas relacionados à avaliação, deve-se compreender o que será coletado, as características da tarefa (evento) escolhida e do paciente/população a ser avaliado e ainda como será o posterior tratamento e análise destes dados.
Texto por: Me. Catiane Souza
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2788554094463654
REFERÊNCIAS
DUARTE, M., FREITAS S.M. Revisão sobre posturografia baseada em plataforma de força para avaliação do equilíbrio. Revista Brasileira de Fisioterapia, v. 14, n. 3, p. 183-192, 2010.
PAZ, G., MAIA, M., LIMA, V., MIRANDA, H. Efeito do método agonista-antagonista comparado ao tradicional no volume e ativação muscular. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, v. 19, n. 1, p. 54, 2014.
SCOPPA, F., CAPRA, R., GALLAMINI, M., SHIFFER, R. Clinical stabilometry standardization: basic definitions–acquisition interval–sampling frequency. Gait & posture, v. 37, n. 2, p. 290-292, 2013.